terça-feira, 19 de setembro de 2017

BANCO DO BRASIL SERÁ MULTADO CASO VOLTE A IMPOR VENDA CASADA PARA LIBERAR PRONAF

O Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), segundo o Ministério do Desenvolvimento Agrário, financia projetos individuais ou coletivos, que gerem renda aos agricultores familiares e assentados da reforma agrária. O programa possui as mais baixas taxas de juros dos financiamentos rurais, além das menores taxas de inadimplência entre os sistemas de crédito do País. 

São beneficiários do programa os Agricultores Familiares ou Pescadores Artesanais que se enquadrem nas normas do PRONAF e estejam aptos para obter a Declaração de Aptidão ao PRONAF – DAP, que é emitida por órgãos credenciados pelo Ministério de Desenvolvimento Agrário – MDA, como a EPAGRI, em Santa Catarina.

Decisão em ação civil pública movida pelo MPF/RS, que vale apenas para os Municípios que integram a Subseção Judiciária de Bento Gonçalves/RS, foi confirmada pelo TRF4 (APELAÇÃO CÍVEL Nº 5002132-69.2015.4.04.7113/RS) determinando ao Banco do Brasil que "se abstenha de exigir, condicionar ou impor a prática da cognominada "venda casada", mediante o condicionamento da liberação de créditos do PRONAF à aquisição de outros serviços oferecidos pelo Banco, sob pena de multa de R$ 1.000,00 (mil reais) por evento constatado".

Decidiu-se, no entanto, que "não há presunção de irregularidade em todas as contratações relativas ao tema, uma vez que, em algumas hipóteses, a aquisição de produtos e serviços conexos à concessão do crédito acaba por favorecer o próprio cliente. Dessa forma, o pedido de decretação de nulidade de todos os contratos acessórios firmados entre os beneficiários no período dos últimos cinco anos não há como ser atendido, devendo ser objeto de demandas individualizadas, haja vista a singularidade da relação jurídica contratual" (sublinhei).

O argumento central para tal entendimento é que "se, por um lado, é ilícita a imposição da contratação, por outro lado tem que ser apurado de forma individualizada se havia opção de seguro mais em conta mercado. Porque a contratação de seguro não é faculdade do mutuário, mas imposição legal. O equívoco está em compelir a contratação da seguradora da ré."

Por isto, como medida profilática, foi também determinado que o Banco do Brasil proceda à afixação de cartazes em todas as agências do Banco do Brasil que atendem àquela esta Subseção Judiciária "a fim de esclarecer os beneficiários de créditos do PRONAF acerca da inexistência de obrigatoriedade na aquisição de qualquer outro serviço oferecido pelo banco para liberação dos créditos".

Em Santa Catarina corre ação civil pública tratando de caso idêntico, envolvendo PRONAF atrelado à venda casada de produtos bancários, como seguro, mas tendo como público alvo pescadores artesanais e maricultores, sem contudo haver ainda sentença. Foi movida pelo MPF/SC (5024262-49.2016.4.04.7200).


A demanda, conforme consta da inicial "encontra suporte probatório no Inquérito Civil nº 1.33.000.003323/2014-62, insaturado no âmbito desta Procuradoria da República a partir de denúncia efetuada por pescadores e maricultores de Florianópolis, em 19 de agosto de 2014, narrando as dificuldades enfrentadas na obtenção de empréstimos do PRONAF e as exigências feitas pelos gerentes de diversas agências para a liberação dos valores".

Vale destacar um trecho de um dos depoimentos que instruem referido inquérito no ponto em que menciona que "se forem adquiridos os produtos impostos pelo banco, fica difícil ou até mesmo inviável o empréstimo, visto que as vantagens governamentais para a produção são praticamente absorvidas pelos custos dos referidos produtos, estranhos à atividade".

Outro depoimento relata a coação nua e crua por parte do gerente do banco a uma consumidora: "você tem duas opções: ou faz essa parceria ou seu projeto será colocado na gaveta".

Ao final, além de pedido idêntico ao concedido na ação civil pública promovida pelo MPF/RS, o MPF/SC requer "pagamento de valor não inferior a R$500.000,00 (quinhentos mil reais) a título de dano moral coletivo, como reparação social e medida sancionatória pelos prejuízos ocasionados em razão de sua conduta, a ser destinado ao Fundo Federal de Defesa dos Direitos Difusos".

Em nossa experiência com o tema, temos identificado consumidores que sequer sabiam que estavam contratando algo a mais do que o PRONAF, sendo, depois, surpreendidos com a cobrança de valores a mais do que a parcela atualizada do crédito contratado, por vezes dobrando o valor a ser pago. Mas, não fosse só isto, ainda acabavam por pagar seguro em duplicidade, posto que, previdentes e não sabendo que o bem adquirido com o PRONAF (veículo, embarcação) já estava segurado, por si contratavam outro, em geral mais em conta, com seu agente de confiança. Ou seja, é algo ainda pior do que "venda casada", podendo ser chamado de "venda embutida".

O Manual de Crédito Rural (MCR), que compila as normas aprovadas pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), bem como as Resoluções do Banco Central do Brasil, referentes ao crédito rural, veda expressamente a exigência de qualquer forma de "reciprocidade bancária" na concessão de crédito rural, nos termos do Capítulo 2, Seção 1, Item 23.

Em sua "Seção IV - Das práticas abusivas", estabelece o Código de Defesa do Consumidor:

Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas:
I - condicionar o fornecimento de produto ou de serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço (...);
(...)
III - enviar ou entregar ao consumidor, sem solicitação prévia, qualquer produto, ou fornecer qualquer serviço
IV - prevalecer-se da fraqueza ou ignorância do consumidor, tendo em vista sua idade, saúde, conhecimento ou condição social, para impingir-lhe seus produtos ou serviços;

Essa conduta, como bem observou o MPF/SC na referida demanda, "também encontra impedimento na Lei nº 12.529/2011, responsável por estruturar o sistema brasileiro de defesa da concorrência, ao tipificar, em seu artigo 36, inciso XVIII, a prática delituosa consubstanciada no ato de 'subordinar a venda de um bem à aquisição de outro ou à utilização de um serviço, ou subordinar a prestação de um serviço à utilização de outro ou à aquisição de um bem'".

De todo modo, para ver anulados contratos ilicitamente impostos e recuperar valores pagos indevidamente, cada consumidor (agricultor, pescador, maricultor), como decidiu o TRF4, deverá propor demanda individualizada, não lhe socorrendo a ação civil pública.

Nenhum comentário:

Postar um comentário